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Resumo 7096
EXPP – “Fui demitido, agora tive tempo para me cuidar” - A saúde bucal da classe trabalhadora: pode o trabalho ser um obstáculo?



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NOTA SOBRE A RESOLUÇÃO CFO Nº 226, DE 4/6/2020, SOBRE EXERCÍCIO DA ODONTOLOGIA A DISTÂNCIA
O Conselho Federal de Odontologia (CFO) publicou no Diário Oficial da União, em 5/6/2020, a Resolução nº 226, de 4/6/2020, que dispõe sobre o “exercício da Odontologia a distância, mediado por tecnologias”, e dá outras providências. O documento apresenta oito considerandos e igual número de artigos.
O primeiro considerando diz respeito à declaração da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a COVID-19 como pandemia e às orientações do Ministério da Saúde para a proteção sanitária da população brasileira. Registre-se, a propósito, que este primeiro considerando contém um erro: identifica como COVID-19 o novo coronavírus, cuja denominação oficial, pela OMS, é SARS-CoV-2. Como se sabe, COVID-19 é a denominação da doença, não do vírus. Os demais considerandos se referem às competências legais do CFO, sendo que dois tratam da legalidade e vedação de atos decorrentes de “consultas” e da prestação de serviços em “consultórios particulares” e do “exercício da Odontologia a distância”.
Os artigos vedam “expressamente” o exercício da “Odontologia a distância”, subentendendo-se que esta seria tudo o que for “mediado por tecnologias”, para fins de “consulta, diagnóstico, prescrição e elaboração de plano de tratamento odontológico”. Embora não utilize o termo, o parágrafo único do artigo 1º admite a teleinterconsulta. Admite-se, desde que realizado exclusivamente por cirurgiãodentista, o “telemonitoramento” de pacientes em tratamento, sendo obrigatório o registro em prontuário; e a “teleorientação”, para definir o “melhor momento para a realização do atendimento presencial”, mas enquanto durar o “estado de calamidade pública declarado pelo Governo Federal”. Veda-se, porém, às pessoas jurídicas, o uso do termo “TELEODONTOLOGIA” e, ao SUS, executar qualquer atividade de “telessaúde”, “como estratégia de e-saúde (Saúde Digital)”, que não observe “os princípios e diretrizes disciplinados nesta Resolução, bem como as disposições legais que a regem”.
A Abrasbuco considera ser positiva a iniciativa do CFO de dispor sobre a matéria, regulamentando-a. Trata-se de uma seara importante para a prática odontológica e, portanto, diz respeito ao exercício das profissões odontológicas no Brasil. É também, um campo atravessado por múltiplos interesses, dentre os quais de um lado o direito à saúde e de acesso aos serviços de saúde, incluindo os odontológicos e, de outro, aqueles meramente comerciais, motivados pela transformação do direito social à saúde, incluindo a saúde bucal, em mercadorias, passíveis de compra e venda, como um negócio qualquer, no bilionário mercado da saúde. Cumpre assinalar, desde logo, que nos filiamos ao segmento que reconhece como direito de cidadania o acesso a bens e serviços relacionados com a produção da saúde bucal. Por esta razão, manifestamo-nos reconhecendo como positiva a iniciativa do CFO.
Mas a Resolução CFO-226/2020 contém incongruências, em boa parte derivadas de muitas inconsistências teóricas. Por esse motivo, recomendamos sua revisão, com vistas ao seu aprimoramento, o mais breve possível.
Dentre as inconsistências teóricas incluem-se:
a) Considerar que atividades desenvolvidas em ambientes virtuais, utilizando tecnologias digitais que têm suporte na rede mundial de computadores (Internet), seria realizar “consulta mediante correspondência”, apoiando-se na alínea "d" do artigo 7º da Lei 5.081/66 é um anacronismo, que pode ter graves consequências, no presente e no futuro imediato, para o exercício da odontologia no Brasil. Ademais, a expressão “ou meios semelhantes” contida no referido artigo da lei federal de 1966 não se aplica à Internet, recurso comunicacional inexistente à época da aprovação do referido dispositivo legal;
b) Não se justifica o veto ao termo “teleodontologia”, uma vez que é definido na literatura científica. Conceitua-se “teleodontologia" como o exercício da odontologia mediado por tecnologias digitais para fins de atenção, educação, gestão, pesquisa, prevenção de agravos e promoção de saúde bucal. Exercida pelos cirurgiões-dentistas, desenvolve-se em interface com a telemedicina, a telenfermagem e outras atividades de atenção à saúde mediadas por tecnologias digitais, englobando a telessaude e o trabalho interprofissional em saúde. O Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, além de disponibilizar protocolos, recomenda aos profissionais de odontologia a utilização da teleodontologia como uma das alternativas para identificar os casos em que o atendimento seja necessário e para orientar os pacientes nos demais casos, por meio da teleconsulta. No Reino Unido, o National Health Service (NHS) determinou, para este período da pandemia da COVID-19, a suspensão do atendimento odontológico eletivo definindo protocolos para o atendimento de urgências e emergências, com o suporte de recursos da teleodontologia;
c) A pretensão, louvável, de “preservar e valorizar a relação CirurgiãoDentista/Paciente”, com o objetivo de “garantir a melhor assistência aos pacientes e proteção da sociedade” é um considerando contrário e, portanto, não favorável à proibição contida no artigo 1°. Há, nesse aspecto, flagrante incongruência, ao supor que, vedando o uso de tecnologias digitais amplamente disseminadas nas sociedades contemporâneas, para proporcionar atenção ágil, oportuna e tempestiva às demandas de pacientes, estar-se-ia protegendo-o e à sociedade, pois dá-se justamente o oposto;
d) A grave omissão, no documento regulamentador, sobre o conceito de “Odontologia a distância”. Trata-se de lacuna relevante, uma vez que a ideia de “odontologia a distância” perpassa todo o documento, motivando-o, embora a literatura científica não registre essa expressão. Como é de amplo reconhecimento, a expressão “a distância” presta-se, contemporaneamente, aos mais diversos usos e propósitos, sendo indispensável defini-lo em ato normativo como a presente Resolução CFO. Não obstante o lapso, o considerando que trata do assunto afirma haver “naturais limitações” ao exercício da odontologia a distância, sem indicar aquelas, ou pelo menos uma delas, que justifique a proibição de ação por profissionais habilitados;
e) A vedação, pelo artigo 1º, de realização de atividades (“consulta, diagnóstico, prescrição e elaboração de plano de tratamento odontológico”) contém falha legislativa que faculta aos profissionais realizarem normalmente suas atividades que não se caracterizem como “consulta”, “diagnóstico”, “prescrição” e “elaboração de plano de tratamento odontológico”. A chave legal para a referida liberação é o conceito de “plano de tratamento”. Assim, qualquer atividade que não se caracterize como “tratamento” está fora do alcance da Resolução CFO-226/2020. Claro que o CFO pode, a qualquer tempo, publicar uma retificação da Resolução, mas teria sido mais produtivo, por mais abrangente, utilizar o conceito desenvolvido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de “plano preventivoterapêutico”, ao invés de “plano de tratamento”. Como está expresso na Resolução, as atividades preventivas não são atingidas pelos vetos do documento;
f) A menção aos “princípios e diretrizes disciplinados” na Resolução CFO226/2020 a serem observados pelas instituições do SUS é incongruente, pois as omissões e inconsistências que apontamos nesta Nota não permitem aos profissionais do SUS seguir algum princípio ou diretriz, para além dos enunciados genéricos sobre “odontologia a distância”, “teleodontologia”, “telessaúde”, “telemonitoramento” e “teleorientação”. Registre-se que não há, na Resolução CFO-226/2020, propriamente, “diretrizes” a serem seguidas quer pelo SUS, quer por pessoas jurídicas ou pessoas físicas.
Cabe enfatizar a omissão da norma do CFO quanto a vários outros procedimentos de uso extensivo há alguns anos no âmbito público, como as ações e serviços relacionadas com o que se vêm denominando de “saúde móvel”, ou “mHealth”, que se expressam como práticas de educação em saúde e vigilância em saúde, notadamente as vigilâncias epidemiológica, sanitária, ambiental, e de saúde do trabalhador, as quais encontram suporte tecnológico em dispositivos de comunicação móvel, como telefones celulares, tablets e assistentes pessoais digitais (PDA). No âmbito do SUS elas vêm sendo realizadas há algum tempo, com aplicações que, inclusive, viabilizaram a execução, em 2010, dos trabalhos de campo da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal (SB Brasil 2010), investigação científica apoiada pelo CFO. De modo similar, tais aplicações vêm sendo utilizadas, com êxito, em programas avaliativos como o PMAQ-AB ou PMAQ-CEO ou, ainda, em investigações de abrangência nacional e grande relevância para as políticas públicas de saúde, como a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), dentre outras.
O SUS por meio do Ministério da Saúde, em parceria com Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde em todo o país, vem implementando desde 2007 o Programa Telessaude Brasil Redes, envolvendo a Estratégia de Saúde da Família, do qual participam equipes de saúde bucal. Estima-se que no presente cerca de 30% dos cirurgiões-dentistas brasileiros trabalham no SUS, compondo equipes multiprofissionais e coordenando o trabalho de equipes de saúde bucal, sob seu comando profissional. Em estudo realizado pelo Núcleo de Telessaúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul analisando as teleconsultorias odontológicas no SUS (736 teleconsultorias integraram o estudo), foi demonstrado que em 64% dos casos a segunda opinião oferecida resultou na mudança de conduta do cirurgião-dentista que solicitou a teleconsultoria, em relação ao diagnóstico ou ao plano de tratamento proposto ao paciente. Tais resultados comprovam o potencial da ferramenta em qualificar a atenção à saúde bucal prestada aos usuários, o que representa também impactos econômicos, reduzindo custos para o sistema.
Finalmente, consideramos pertinente assinalar que, para os fins de uma Resolução que visa a regulamentar práticas de teleodontologia, não é apropriado, e certamente não basta, adotar alguma derivação da sigla ‘EAD’, pretendendo que fique implícito o que se compreende por “odontologia a distância”. O uso contemporâneo da expressão “a distância” como qualificativo requer, sempre, reiteramos, a explicitação do que se busca caracterizar. Ademais de a sigla EAD prestar-se a múltiplas concepções no próprio campo epistêmico no qual teve origem, os propósitos e as ferramentas tecnológicas empregadas no campo educacional têm usos distintos dos utilizados no campo da saúde e, especificamente, da odontologia, em que está presente em ações como as de educação e promoção da saúde, orientações para o autocuidado preventivo e de manutenção, entreajuda familiar, formação de grupos online para práticas preventivas, transmissão e armazenamento de informações de saúde como radiografias digitais, impressões digitais e fotomicrografias de pacientes, por meio de sistemas de comunicações eletrônicas seguras, dentre outras. Em ações e serviços de saúde a noção de distância, que remete às ideias de “remoto” e de “tele”, vem se associando crescentemente também aos conceitos de “realidade virtual” e, sobretudo, de “realidade aumentada”. Notadamente a realidade aumentada, combinando-se com a aplicação da robótica em ambientes cirúrgicos, vem proporcionando aos profissionais de saúde ampliar suas possibilidades de atuação para muito além do convencional e até mesmo do que conhecemos no presente. Por esse motivo, normas de exercício profissional precisam contemplar essas novas possibilidades, regulamentando-as adequadamente. Jamais negando-as, bem como ao desenvolvimento científico-tecnológico. A esse respeito, é oportuno registrar que a American Dental Association (ADA) aprovou, em 2015, uma política afirmativa sobre a questão, favorável à teleodontologia, definindo seu escopo de atuação, os direitos dos pacientes, normas e licença de aplicação e reembolso de serviços de teleodontologia. A ADA identifica um extensivo corpo de itens e questões que se referem aos direitos dos cidadãos, cujas necessidades em saúde bucal são atendidas com o emprego de tecnologias e métodos de teleodontologia por profissionais que, fazendo-o, viabilizam o acesso dessas pessoas aos cuidados odontológicos de que necessitam.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) editou em 2005 uma resolução (Resolution WHA58.28 eHealth) recomendando aos seus 192 estados membros, o Brasil incluído, o uso da telessaúde como estratégia para a melhoria dos sistemas de saúde, em especial os públicos de acesso universal como o SUS.
Tendo em vista esse elenco de argumentos e ponderações, tornamos pública a nossa desaprovação às disposições da Resolução nº 226, de 4/6/2020, e pedimos ao CFO retificá-la com a urgência requerida, considerando a relevância da regulamentação a que alude o referido documento.
São Paulo, 8 de junho de 2020
“Pela SEGURIDADE SOCIAL
Pelo DIREITO UNIVERSAL A SAÚDE!
Pelo SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE!
Pela PARTICIPAÇÃO POPULAR!
Pela REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA!
RESISTIREMOS”